Faixa

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sábado, 23 de agosto de 2014

As crianças, os pais, a educação e a falácia do “deixar fazer o que quiser"


As crianças, os pais, a educação e a falácia do “deixar fazer o que quiser"

Renata Penna

Poucas coisas parecem ter caminhado tão pouco, e tão preguiçosamente, quanto a educação, e o olhar da sociedade sobre as crianças, suas necessidades e direitos. Não é raro ouvir de pessoas supostamente esclarecidas discursos como “criança precisa de disciplina, precisa saber quem é que manda”, “criança precisa aprender a obedecer”, ou “os pais modernos acham que não tem que educar, tem que deixar a criança fazer tudo o que quiser, do jeito que quiser, na hora que quiser”. Quantos equívocos!

Nos últimos anos, até por força do início da vida escolar das minhas filhas, envolvi-me um bocado com debates a respeito da educação formal, do papel dos pais e dos professores na formação da criança, das questões de autoridade, hierarquia, autonomia, disciplina, liberdade e aprendizado. Temas fascinantes, que não pretendo esgotar nesse texto, nem poderia. Mas arrisco-me a pincelar algumas reflexões.

Começo dizendo que, da forma como entendo, educar uma criança para a liberdade e a autonomia, respeitando seus tempos e necessidades e concedendo-lhe voz e direito de se manifestar tanto na concordância quanto na discordância, não tem absolutamente nada a ver com “deixar fazer o que quer”. Tem a ver com dispensar as hierarquizações desnecessárias, abrir mão da muleta da autoridade vazia, não dar carteirada, não lançar mão do discurso oco do “eu mando e você obedece”. Tem a ver com abrir-se para ouvir o que a criança tem a dizer, olhá-la com respeito, permitir-lhe a responsabilidade de decidir coisas com as quais já pode arcar, compreendê-la como um ser humano inteiro, com direito de manifestar-se, de reivindicar o que lhe parece importante, de ir contra o que não compreende, de exigir que lhe expliquem e desejar compreender o que lhe é dito.

“As crianças de hoje não sabem mais obedecer”, dizem os críticos das novas formas de encarar a educação das crianças. Bem, será que isso é ruim? Estamos vendo nascer uma geração de crianças que não obedecem mais, assim simplesmente, por obedecer, ao ouvir a voz de comando. Eles querem compreender porque é que devem seguir uma orientação, querem opinar a respeito, querem ajudar a construir as regras, querem participar das decisões. Com isso, estamos vendo nascer uma geração que talvez saiba se responsabilizar melhor pelas escolhas feitas, por delas haver participado, do que a anterior, que sabia obedecer muito bem, mas não fazia a menor ideia do porque.

Estamos vivendo, nós, os pais desta nova geração, uma incrível quebra de paradigmas: convivemos, orientamos e temos a responsabilidade sobre crianças que não aceitam mais, cabisbaixas, como faziam seus pais e avós, o “porque é assim e pronto”, “porque eu mando”, ou similares. E sinceramente? Que bom! Porque podemos fazer melhor do que isso, não acham?

Os educadores acostumados à educação tradicional tremem diante das novas alternativas, que quebram com a hierarquia escolar e elevam o aluno à condição de protagonista de seu aprendizado, ao invés de enxergá-lo como mero receptáculo de conteúdo. E eu os compreendo: mudar não é fácil. Exige de professores, pais, alunos – exige de todos, em coragem e comprometimento verdadeiro com esta nova realidade.

Fala-se muito sobre a famigerada “indisciplina” nas escolas. Culpa, na teoria, dos pais, que não estariam exercendo sua autoridade, o que confere aos alunos a crença de que não existem limites, e de que podem fazer tudo o que querem. Discordo, com veemência. Em primeiro lugar, porque respeitar as crianças em sua autonomia e dar-lhes liberdade para exercerem sua individualidade, respeitar seus tempos, curiosidades e desejos, e conceder-lhe voz ativa na discussão dos caminhos a serem trilhados, na vida como na escola, não tem nada a ver com “deixar fazer o que quiser”. Deixar fazer o que quiser poderia ser relacionado a uma tremenda ‘preguiça educacional': não quero debater, não quero refletir, não quero gastar meu tempo com qualquer tipo de orientação, portanto deixo ‘fazer o que quer’. Conceder liberdade, autonomia e voz à criança e ao aluno, muito ao contrário, é trabalhosíssimo: envolve a disposição da escuta, que valoriza o que a criança/aluno tem a dizer; envolve o respeito aos tempos e necessidades individuais, o que nos obriga a constantemente reelaborar e repensar caminhos e possibilidades, de maneira que o aprendizado e as caminhadas da vida sejam proveitosos para todos; envolve abrir mão da confortável hierarquia que nos concede o direito de vociferar “porque sim”, e obriga a pensar a respeito das orientações, a buscar porquês, a compreender a que serve tomar esta ou aquela direção. Entre exercer a autoridade do ‘porque sim’, deixar a criança fazer o que quer, ou educar para a autonomia, não tenho a menor dúvida de que esta última opção será, de longe, a mais trabalhosa.

Além do mais, se observarmos cuidadosamente perceberemos que a tal da “indisciplina” é, no mais das vezes, um pedido de socorro: “olhem-me! reparem naquilo que me é particular, compreendam minha forma de ver o mundo e ajudem-me a compreender a forma de ver o mundo daqueles que estão ao meu redor”.

Lembro de uma reunião na escola das minhas filhas – uma escola democrática, uma iniciativa totalmente inovadora e de vanguarda – em que, entre pais, alunos e educadores, comentávamos sobre esta dificuldade: como educar uma nova geração para uma liberdade que nós mesmos desconhecemos, para a qual nós mesmos não fomos preparados? Nossa geração não foi educada para a autonomia, para a igualdade, para o respeito às diferenças. Muito ao contrário: uns mais, outros menos, mas em algum grau fomos todos educados para obedecer, para respeitar as organizações hierárquicas, para encaixar-nos no padrão determinado, para deixar-nos colocar em escaninhos etiquetados. Precisamos, portanto, não apenar ensiná-los a serem livres e autônomos, mas aprender também a sermos, nós mesmos, capazes de vestir esta mesma liberdade, esta mesma autonomia.

Isso talvez seja o mais bonito das novas iniciativas da educação: não há mestres, não há aprendizes – ou melhor, há mestres que são também aprendizes, há aprendizes que são também mestres, e os papéis se misturam e se confundem a todo momento, em uma experiência fluida e contínua em que todos ensinam e aprendem juntos, em uma construção coletiva de novas possibilidades.

Só alcançaremos uma nova educação, libertária de fato, que realmente prepare para a autonomia, quando abrirmos mão dessa visão limitada que, inacreditavelmente, ainda é tão comum no século XXI: a de que a criança é um ser que necessita ser dominado, domado, domesticado, adaptado a aquilo que esperamos dela. Não, não é. A criança é um ser único, como somos todos. A grande diferença é que nós nos acostumamos a ser desrespeitados em nossa unicidade – ela, ainda não.

Se ela aprenderá conosco a se adaptar, ou se nós aprenderemos com ela a nos libertar, é o que nos cabe decidir. E essa decisão urge, mais do que nunca.

Reproduzido de Uma vez mamífera
22 ago 2014

Foto Mamífera: Renata Penna ©

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

I Bienal Latinoamericana de Infancia y Juventudes . 17-21 de novembro de 2014 . Manizales/Colômbia


I Bienal Latinoamericana de Infancia y Juventudes
17-21 de novembro de 2014
Manizales/Colômbia

Entre el 17 y el 21 de noviembre se realizará en Manizales, Colombia la Primer Bienal Latinoamericano de Infancias y Juventudes. Su programación ofrece una jornada amplia de trabajo con diferentes estrategias formativas, deliberativas, de divulgación y proyección que permitirán colectivizar saberes, fomentar relacionamientos y potenciar nuevos espacios de encuentro y colaboración a favor de niños, niñas y jóvenes de América Latina. En este sentido, se constituye como un espacio de intercambio, reflexión y producción que articula a investigadores, responsables de políticas públicas, referentes de organizaciones sociales, niños, niñas y jóvenes .

En la última década se han incrementado de manera notoria los eventos académicos de divulgación teórica e investigativa en ciencias sociales, muchos de estos espacios se caracterizan por una fuerte tendencia a la socialización de trabajos que no siempre logran impactar en la construcción de conocimiento colectivo y en oportunidades para la configuración de redes y comunidades académicas de largo aliento ya que su continuidad no siempre está garantizada.

La propuesta de creación de la Bienal Latinoamericana de Niñez y Juventud está centrada en la idea de articular los esfuerzos académicos, sociales y culturales que diferentes grupos, investigadores, redes y colectivos vienen realizando en América Latina en los temas de Niñez y Juventud, con el propósito de ofrecer en una jornada amplia de trabajo, diferentes estrategias formativas, deliberativas, de divulgación y proyección que permitan colectivizar saberes,  fomentar relacionamientos y potenciar nuevos espacios de encuentro y colaboración a favor de las poblaciones en mención.

Se aspira que la Bienal se constituya como un escenario al que acudan diferentes públicos académicos (estudiantes de pregrado, postgrado, investigadores e investigadoras), representantes de los gobiernos, responsables en el diseño e implementación de políticas públicas, líderes sociales y profesionales que trabajan en organizaciones y programas de niñez y juventud.  De la misma manera, es deseable que la Bienal permita la participación de niños, niñas y jóvenes en los diferentes espacios de debate, producción como una forma de acercamiento a sus voces, experiencias y propuestas de vida.

La Bienal Latinoamericana de Niñez y Juventud se desarrollará en su primera versión en Colombia y se propone que en adelante opere como una estrategia itinerante que recorra diversos países latinoamericanos, convoque a diferentes públicos y se instituya como un espacio reconocido de deliberación, divulgación académica, socialización de experiencias, construcción de redes y participación  de niños, niñas y jóvenes de en cada uno de los lugares donde se realice la Bienal.

04 ago 2014

sábado, 2 de agosto de 2014

Rede Brasileira Infância e Consumo realiza sexto encontro em SP


Rede Brasileira Infância e Consumo realiza sexto encontro em SP

Gabriel vem da capital de Rondônia, Cristhiane da cidade baiana de Teixeira de Freitas, Leo de Florianópolis e Raquel de Brasília. Em São Paulo, os quatro se juntam a outras pessoas que têm o mesmo objetivo: fortalecer a Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. O 6º Encontro da Rede, realizado nos dias 25 e 26 de julho, reuniu cerca de 50 pessoas de todas as regiões do Brasil, no Centro de Eventos São Luís, na capital paulista.

Para todos, vale o esforço para participar dos debates e da troca de experiências com pessoas que atuam pela mesma causa. Com a missão de “sensibilizar, mobilizar e articular pessoas e organizações para a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes frente ao consumismo e às relações de consumo”, a Rebrinc nasceu em junho de 2013, data da primeira reunião do grupo. Há pouco mais de um ano, a Rede Brasileira Infância e Consumo vem sendo construída de forma horizontal e colaborativa. Por ter uma estrutura sem hierarquia, as decisões são tomadas em conjunto, em encontros periódicos realizados em São Paulo. O principal compromisso é fortalecer as ações individuais que já eram realizadas anteriormente pelos membros e dar visibilidade à causa da proteção da infância frente aos apelos do mercado. Grupos de trabalho, sendo eles Comunicação, Educação, Alimentação, Políticas Públicas e Vínculos Humanos Essenciais, também planejam ações próprias para levar o problema crescente do consumismo na infância a famílias, meios de comunicação, escolas, governo e mercado.

Fazem parte da Rebrinc pais, mães, educadores, médicos, nutricionistas, jornalistas, publicitários, artistas, advogados, membros de instituições ligadas à infância, ao meio ambiente e ao direito do consumidor, centros de pesquisa e universidades. A cada dia, novos membros entram no debate sobre infância e consumo por meio do grupo da Rede Brasileira Infância e Consumo no Facebook que possui mais de 600 membros. No sexto encontro presencial, o grupo discutiu, além de temas ligados à infância e ao consumo, questões operacionais e o planejamento das próximas ações da Rede.

Atores da Rebrinc

Também integrante da Rede, Mariana Sá, de Salvador, diz ter encontrado a sua turma. “A Rebrinc é a congruência de diversos atores de disciplinas e atuações diferentes com um mesmo interesse: uma infância mais bacana.” Mariana é  uma das criadoras do Movimento Infância Livre de Consumismo, Milc, e, para ela, “os atores da Rebrinc suprem necessidades do Milc como estudos, pesquisas, advocacy, produção de documentários, realização de eventos e de articulações nacionais.” Ativo na Internet e fora dela desde março de 2012, o Milc defende o envolvimento de mães e pais no debate sobre a  publicidade infantil e sobre a relação entre mídia e infância.

Leo Nogueira Paqonawta, pedagogo, mestre e doutorando em Educação, acredita no poder do coletivo para mudar a atual realidade. “Faço parte da Rebrinc porque unidos somos mais fortes na defesa dos direitos da criança, em especial frente à sua relação com a publicidade e a propaganda, assim também na proteção da infância como espaço/tempo especial na formação do ser humano”, conta o autor do site Descobrincante, que reúne textos sobre os direitos da infância na escola. Defensor de uma mídia democrática e responsável, Leo utiliza instrumentos de comunicação em seu processo educativo com seus alunos em Florianópolis, que produzem conteúdos que refletem sobre a realidade em que vivem.

Acostumada com a dinâmica da comunicação mercadológica, a publicitária e consultora, Nádia Rebouças, do Rio de Janeiro, defende mudanças na forma como o mercado vem atuando. Ela acredita na importância de uma rede sobre infância e consumo nos dias de hoje porque chegou a hora de mudar. Ela conta que “cada mudança vai passando por um processo de amadurecimento na sociedade e que, às vezes, nem percebemos, mas de repente tem uma massa crítica que se coloca a favor dessa mudança. Caminhamos para isso nos últimos anos porque o consumismo cresceu avassaladoramente e até as crianças foram se transformando em objeto e em mercadoria e avançou o ativismo pela causa.” Para ela, mais discussão e maior enfrentamento fazem parte do processo até a mudança. “A sociedade e o planeta não suportam mais”, desabafa com relação ao consumismo.

Uma das criadoras da campanha Põe no Rótulo, a advogada Cecília Cury, também está na Rede. Ela acredita “na urgência de se garantir espaço para o consumo consciente, especialmente quando consideramos as reais necessidades das crianças.” Preocupada com a saúde do seu filho, Cecília se uniu a outras mães na campanha #poenorotulo, criada em fevereiro deste ano, na Internet, por um grupo de famílias de alérgicos com o objetivo de divulgar a necessidade da rotulagem correta de alimentos alérgenos, como leite e soja, dentre outros.

Regina de Assis, consultora com grande experiência em educação e mídia, também atua na Rebrinc. Regina acredita que a Rede Brasileira Infância e Consumo é importante para o país “pois é tecida na rica diversidade de seus representantes, que trabalham comprometidos com os direitos das crianças brasileiras de viverem livres do consumismo.”

Para o grupo que compõe a Rebrinc, culpar os pais pelo consumismo infantil representa uma visão injusta e simplista do problema já que as famílias estão em desvantagem na relação aos múltiplos apelos do consumo sobre as crianças que são muito vulneráveis a tais mensagens. “É preciso repensar a pressão do consumo sobre a infância porque além de produtos e serviços, a publicidade e os outros conteúdos da mídia vendem valores e modos de agir e pensar nem sempre construtivos”, enfatiza Desirée Ruas, do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte.

Nos planos da Rede Brasileira Infância e Consumo estão a promoção de ações de combate ao consumismo como feiras de troca de brinquedos, realização de debates sobre consumo e alimentação saudável, o incentivo a políticas públicas que priorizem o tema e estímulos para uma infância mais simples e menos materialista, dentre outros. Na discussão que a Rebrinc vem estimulando com pais, escolas e todos os interessados, entram temas como obesidade infantil, adultização da infância e erotização precoce, estímulo à violência, distorção de valores, o papel da escola e o entendimento da responsabilidade conjunta  da família, da sociedade e do Estado em assegurar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, incluindo mantê-las “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, como determina o artigo 227 da Constituição Federal.

Liberdade de expressão

Durante o encontro da Rebrinc em São Paulo, as advogadas da organização não governamental Artigo 19, Camila Marques e Karina Quintanilha, falaram sobre a diferença entre os conceitos de liberdade de expressão e liberdade de expressão comercial. “A liberdade de expressão é um direito do indivíduo e não de empresas e restrições legítimas podem acontecer para a defesa de outros direitos”, explicou Camila. A classificação indicativa de conteúdos audiovisuais que existe hoje no país foi citada como um exemplo de um parâmetro criado com o objetivo de proteger crianças e adolescentes. A apresentação contribuiu para o debate da legitimidade de ações que buscam traçar limites à comunicação mercadológica dirigida à criança. Como defende o jurista Dalmo Dalari, em seu artigo “Publicidade danosa à criança”, publicado originalmente no Jornal do Brasil, “o controle da publicidade dirigida à criança vincula-se à questão da liberdade de comércio e não à liberdade de expressão, que é um direito fundamental da pessoa humana. Essa distinção é essencial, pois retira a base jurídica dos que, interessados prioritariamente no comércio, tentam sustentar a alegação de inconstitucionalidade das normas legais e regulamentares que fixam diretrizes para a publicidade dirigida à criança.”

Para saber mais:


Artigo de Nádia Rebouças sobre a necessidade de uma nova atuação do mercado publicitário – “Conversa de publicitária

Sobre liberdade de expressão e liberdade de comércio, leia o artigo do jurista Dalmo Dalari, publicado originalmente no Jornal do Brasil, e republicado no site do Movimento Infância Livre de Consumismo.

Sobre o trabalho da ong Artigo 19 em defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação.

Reproduzido de Consciência & Consumo

02 ago 2014